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Erro humano no sistema de transplantes: Quem são os responsáveis?

Negligência no cumprimento de protocolos de segurança resulta em consequências irreparáveis e expõe fragilidades institucionais.

Médico realizando pesquisa médica em laboratório (freepik.com)
Erro humano no sistema de transplantes: Quem são os responsáveis? | Foto: freepik.com

Mopaids
14/10/2024

Seis pessoas no estado do Rio de Janeiro foram recentemente diagnosticadas com HIV após receberem órgãos infectados. O que soa como uma notícia vinda dos primeiros anos da epidemia de aids é, na verdade, um caso atual e gravíssimo, que levanta questões urgentes sobre responsabilidade e falhas no sistema de transplantes no Brasil. Apesar de todo o avanço tecnológico e científico disponível, essa tragédia expõe a vulnerabilidade humana e, mais alarmante, o descaso no manejo de procedimentos tão delicados.

Os primeiros resultados da sindicância interna apontam para erro humano na transcrição dos resultados de testes de HIV. Como isso é possível em um sistema que, teoricamente, possui rigorosos protocolos para garantir a segurança dos transplantes? O laboratório privado PCS, responsável pela testagem dos órgãos, não detectou a presença do vírus. Contratado pela Fundação Saúde sob a responsabilidade da Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro, o laboratório desempenhava um papel essencial no programa de transplantes do estado. Diante disso, não podemos falar apenas de erro; o termo correto é negligência.

O Brasil é reconhecido mundialmente pelo seu Sistema Nacional de Transplantes (SNT), que se destaca pela segurança e transparência. A tecnologia necessária para evitar erros desse tipo já está disponível e deveria ter sido utilizada com eficácia. O problema aqui não é a ausência de recursos, mas a falha humana — a falha de profissionais que, por descuido ou incompetência, não seguiram os protocolos à risca.

Quem assume a responsabilidade por essas vidas afetadas? O laboratório que errou, a Fundação Saúde que terceiriza sem garantir um controle adequado de qualidade, ou a Secretaria de Estado de Saúde que supervisiona esse processo? Todos eles falharam, e essas falhas têm consequências irreversíveis.

Diante dessa tragédia, o Movimento Paulistano de Luta Contra a Aids (Mopaids) vem a público para expressar seu repúdio aos responsáveis e solidarizar-se com os afetados. Esse não é um caso isolado de negligência, mas um sintoma de uma estrutura que precisa ser fiscalizada de maneira rigorosa. O Mopaids exige uma auditoria imediata no sistema de transplantes do Rio de Janeiro, para que se investiguem possíveis irregularidades na contratação e operação do laboratório envolvido. Além disso, nossa ministra da Saúde, Nísia Trindade, precisa responder com urgência se a terceirização dentro do SUS está enfraquecendo a qualidade dos serviços que deveriam existir para salvar vidas.

O Sistema Nacional de Transplantes, uma conquista do Sistema Único de Saúde (SUS) e que garante a todas as pessoas acesso a transplantes de alta qualidade, possui dispositivos regulatórios que seguem protocolos rígidos para prevenir a transmissão de doenças infecciosas, incluindo o HIV. Isso torna ainda mais inaceitável o fato de que tais infecções ocorreram. Se os protocolos existem e são eficazes, o que falhou foi o cumprimento desses protocolos por parte dos responsáveis.

De acordo com dados do Ministério da Saúde, o SUS financia cerca de 88% dos transplantes no Brasil, reforçando a importância desse serviço público. Quando a negligência afeta esse sistema, coloca em risco não apenas as vidas de quem depende dele, mas também a confiança da população em um dos programas de saúde mais bem-sucedidos do país.

Esse erro sem precedentes não pode ser minimizado. Mais do que isso, é urgente que medidas sejam tomadas para garantir que esse tipo de erro jamais se repita. A segurança do sistema de transplantes brasileiro não pode ser comprometida por falhas humanas e pela negligência institucional.

Cada órgão transplantado deve representar uma nova chance de vida. Embora seja possível viver com HIV, isso não significa que seja fácil. O estigma, o preconceito e as vulnerabilidades associadas à aids ainda são responsáveis por centenas de mortes todos os anos. O impacto emocional e social para as vítimas desse erro vai além da simples transmissão do vírus; trata-se de uma violação da confiança em um sistema que deveria protegê-las.

A responsabilidade de manter a segurança não é apenas dos técnicos de laboratório ou dos gestores de saúde, mas de todos que dependem e confiam no sistema. Não podemos aceitar menos do que a máxima transparência, competência e responsabilidade.

Manifestamos nossa plena solidariedade às pessoas diretamente afetadas e a seus familiares, oferecendo nosso apoio, mesmo à distância.

Por fim, nos juntamos as milhares de vozes em defesa da vida. Doe órgãos e salve vidas: um ato de solidariedade que, quando feito com responsabilidade, transforma esperança em realidade.

Mopaids (Movimento Paulistano de Luta Contra a Aids)