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Brasil é excluído de acordos internacionais sobre PrEP injetável, alerta presidente da IAS

Live “Ecos de CROI”, promovida pela Anaids, denuncia barreiras ao acesso a genéricos e destaca avanços científicos e desafios políticos na prevenção do HIV

Captura de tela da live “Ecos de CROI”, promovida pela Anaids, com participantes em videoconferência, entre ativistas, pesquisadores e profissionais da saúde. Na imagem estão visíveis nomes como Eduardo Barbosa, Carla Almeida, Dra. Beatriz Grinsztejn, Américo Nunes, Veriano Terto, Juan Carlos Raxach, Dr. David Urbaez, Fernanda Nigro, Lucas Ferreira. O evento foi transmitido ao vivo via Zoom.
Participantes reúnem-se virtualmente na live "Ecos da CROI" para debater avanços e desafios no enfrentamento do HIV/aids. | Foto: Reprodução Fórum Ong aids RS

Agência Aids
04/04/2025

Um dos maiores encontros científicos sobre HIV/aids do mundo, a Conferência sobre Retrovírus e Infecções Oportunistas (CROI) 2025, deixou marcas que vão além dos avanços laboratoriais. Na esteira do evento internacional, a Articulação Nacional de Luta Contra a Aids (Anaids) promoveu nesta quinta-feira (03) o encontro virtual “Ecos de CROI”, reunindo especialistas e ativistas para discutir os desdobramentos científicos e políticos da conferência e seus impactos para o Brasil.

O evento teve como convidada central a Dra. Beatriz Grinsztejn, presidente da International Aids Society (IAS) e pesquisadora do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz). Ela foi responsável por apresentar os principais achados científicos da CROI, com destaque para os avanços em tecnologias de prevenção ao HIV, como os medicamentos injetáveis de longa duração. Ainda assim, seus alertas sobre a exclusão do Brasil em acordos internacionais soaram como um duro chamado à realidade.

“O Brasil está excluído de qualquer acesso a genéricos na perspectiva do acordo já realizado”, afirmou a especialista, referindo-se ao cabotegravir, antirretroviral injetável cuja produção genérica será permitida a partir de 2027 por meio de um acordo com o Medicines Patent Pool (MPP). “Do ponto de vista do nosso país, nós estamos absolutamente excluídos desse acordo do produtor do cabotegravir do ponto de vista de acesso a genéricos. Com relação ao Lenacapavir, um acordo também foi feito, não através do Medicine Patent Group, mas através do produtor com seis fábricas de genéricos. Novamente, o Brasil está excluído de qualquer acesso a genéricos na perspectiva do acordo já realizado.”

O medicamento cabotegravir já recebeu aprovação da Anvisa, mas permanece inacessível no Sistema Único de Saúde (SUS) devido aos altos custos cobrados pelo fabricante. Além disso, as diretrizes técnicas brasileiras ainda não incluem oficialmente a PrEP (profilaxia pré-exposição) injetável.

Dra. Beatriz pontuou que a dependência de grandes indústrias farmacêuticas para o acesso às novas tecnologias impõe barreiras, principalmente para países em desenvolvimento. “O Brasil está excluído de qualquer acesso a genéricos na perspectiva do acordo já realizado”, reiterou.

Retrocesso norte-americano impacta o mundo

A especialista também chamou atenção para os impactos das políticas conservadoras do governo Trump, que afetaram diretamente o PEPFAR – programa de combate ao HIV financiado pelos EUA e considerado um dos pilares da resposta em países com epidemias generalizadas. “O PEPFAR, financiado pelo governo americano, foi um polo inestimável de introdução de novas tecnologias nas respostas nacionais ao HIV, sobretudo em países africanos que têm um contexto de epidemia generalizada. Por exemplo, já estava em negociação uma compra volumosa de lenacapavir para ser distribuída em países africanos parceiros do PEPFAR”, explicou.

“Há uma projeção de que 25 milhões de pessoas deveriam estar usando a PrEP no mundo até 2025 e até agora a gente só tem um número infinitamente menor de 3 milhões de pessoas, das quais 90% eram financiadas pelo PEPFAR. Hoje o PEPFAR só autoriza PrEP para gestantes, então, toda a distribuição de PrEP para as populações mais vulneráveis foi suspensa.”

Resultados promissores, mas restritos

Entre os destaques científicos, Dra. Beatriz trouxe avanços na pesquisa com o lenacapavir injetável, cuja versão em estudo pode ser administrada uma vez por ano. “Na CROI, nós vimos também os resultados de um estudo, ainda bastante inicial, com o lenacapavir, dessa vez desenvolvido sob uma formulação que é para ser administrada por via intramuscular a cada 12 meses. Essa droga permaneceu viável e com níveis adequados no sangue 54 semanas depois daquela injeção intramuscular. Isso são resultados importantíssimos, porque a gente precisa levar em consideração que em ambientes de estigma e discriminação, a gente poder contar com drogas de longa duração para a prevenção podem imensamente facilitar o acesso, uma vez que essa droga seja viável financeiramente.”

Ela destacou ainda o estudo ImPrEP CAB Brasil, que avalia a implementação do cabotegravir injetável entre jovens de minorias sexuais e de gênero. “Essa droga se dá de forma injetável, no músculo glúteo, a cada dois meses. Diferentemente da PrEP oral, que a gente usa sob a forma de um comprimido diário ou uma forma alternativa de um comprimido sob demanda. O cabotegravir é uma droga intramuscular usada a cada dois meses”, explicou. “Nós mostramos que houve uma cobertura muito maior da medicação para quem usou o cabotegravir quando comparado a quem usou a PrEP oral. A gente avaliou a PrEP oral num contexto de escolha.”

A importância do ativismo e da equidade

Na live, a médica ressaltou a potência da conferência por abordar a interseção entre ciência, ativismo e políticas públicas. “Para a discussão tanto programática quanto da resposta global ao HIV, ao ativismo e à participação comunitária, a CROI tem um componente da comunidade em sua organização, mas não se caracteriza como um evento de grande participação comunitária. Entretanto, diante do novo governo norte-americano e das políticas que dizimaram o apoio a programas de HIV, essa conferência teve um caráter muito diferente.”

Ela destacou a fala da ativista Rebecca Dennison, da ONG Women Organized to Respond to Life-Threatening Diseases. “Ela fez uma palestra bastante poderosa e tocante sobre o poder da ciência e a força do ativismo e do controle social na produção de respostas efetivas que respeitem e consolidem os direitos humanos de todas as pessoas.”

Brasil em destaque e sob desafios

O médico infectologista Dr. David Urbaez, representante do Ministério da Saúde, afirmou que o Brasil tem um histórico de protagonismo na resposta ao HIV/aids, mas enfrenta desafios que vão desde a regulamentação até o financiamento de novas tecnologias. “Esse é o papel de traduzir esses avanços científicos e tentar levar isso efetivamente para a população que precisa como instrumento de política pública”, disse. “Com participação do movimento social como protagonista, há uma enorme potência envolvida nesse processo.”

Para Urbaez, a equidade deve ser o norte. “Como sempre, a nossa missão, a nossa visão, é a equidade.” E completou: “É essa força toda e a potência do movimento social que impulsiona a disputa pela compreensão da garantia de recursos, porque a aquisição dessas tecnologias passa por uma questão política. É uma parceria potente do Dathi e da Coordenação com os movimentos sociais.”

O infectologista também apontou que, apesar de avanços históricos — especialmente após a Constituição de 1988 —, o Brasil ainda convive com desigualdades que atravessam a epidemia. “Talvez a epidemia de HIV/aids tenha tido o processo político mais complexo da história com relação aos direitos humanos e na história do país escrita de capítulos sobre vulnerabilidades.”

Movimentos sociais exigem respostas globais

Para o ativista Veriano Terto, a resposta à aids exige uma internacionalização das estratégias e do debate. “O que a Dra. Beatriz trouxe aqui aponta para algo muito importante para nós, enquanto movimento, que eu acho que é uma radicalização da internacionalização dos destinos da epidemia. Acredito que Beatriz nos mostra que nacionalmente nós não damos conta de onde é a pandemia. Isso é muito importante. A aids é e sempre foi uma questão global, mas acho que muitas vezes nós fechamos as nossas discussões no contexto nacional. Agora não dá mais.”

Veriano também alertou para o impacto das decisões conservadoras na ciência. “Como esses estudos clínicos vão estar, caso isso tudo continue, daqui a dois anos, três anos? Não sabemos! Os estudos clínicos, por exemplo, com pessoas trans e pessoas LGBT no Brasil eu não sei como vai ser, porque são financiados. Como é que vão ficar os estudos clínicos que são importantíssimos para tanto o descobrimento como a incorporação da inovação?”

Por fim, o ativista fez um apelo pela democratização do acesso à ciência e ao tratamento. “A questão da discussão sobre patentes, acesso a medicamentos, preço, está muito reduzida. Isto é algo necessário na nossa vida. O medicamento no Brasil, para quem toma o antirretroviral até hoje, é fundamental para estar vivo. Eu estou vivo porque eu tomo antirretroviral, meu diagnóstico é de quase trinta anos atrás. Então, é uma questão fundamental para nós entendermos essas questões de acesso e de ciência, e buscar democratizar a ciência, a informação…”

Os especialistas deixaram claro no “Ecos de CROI” que ciência sem acesso e sem política pública não basta. Segundo Veriano, a resposta ao HIV/aids precisa ser global, justa e comprometida com os direitos humanos.

Assista na íntegra: