Agência Aids
27/06/2025
A Câmara Municipal de São Paulo sediou, no dia 26 de junho, a primeira reunião do Grupo de Trabalho (GT) ISTs/Aids + Saúde, iniciativa inédita que reúne movimentos sociais, organizações da sociedade civil e o mandato da vereadora Luana Alves (PSOL). O objetivo é criar um espaço permanente de diálogo, construção de propostas e pressão por políticas públicas mais justas e eficazes para o enfrentamento das ISTs na capital paulista.
O GT é fruto da parceria entre o mandato da vereadora e o Movimento Paulistano de Luta Contra a Aids (Mopaids), pensado para atuar de forma contínua e bimestral, com foco na criação de estratégias que fortaleçam o cuidado, a prevenção e os direitos da população que vive com HIV, hepatites, tuberculose e outras ISTs — com atenção especial às pessoas mais vulnerabilizadas e aos territórios periféricos da cidade.
Na reunião de lançamento, participaram representantes importantes da luta em São Paulo: Alisson Barreto, do Grupo de Incentivo à Vida, Fernanda Nigro, do Grupo Pela Vidda São Paulo; Lucrécia Lopes, ativista do Mopaids e Projeto Bem-Me-Quer; e Marta Mc Britton, diretora-presidente do Instituto Cultural Barong. Cada um trouxe perspectivas e experiências que enriqueceram o debate e definiram prioridades para o GT.
O que o GT busca
Logo no início da reunião, Alisson explicou que a ideia inicial era criar uma frente parlamentar, mas que, diante dos desafios enfrentados, o grupo optou por começar com um GT articulado diretamente com o legislativo municipal.
O grupo nasce com quatro objetivos centrais:
Além disso, será feito um levantamento de legislações existentes e projetos de lei que estejam parados na Câmara ou na Assembleia Legislativa, como o que prevê isenção tarifária para pessoas vivendo com HIV no transporte público. Atualmente, o passe livre depende de uma sentença judicial, considerada frágil e passível de reversão.
A vida após a pandemia
Um dos pontos mais destacados foi o impacto da pandemia da Covid-19 nas organizações que atuam na resposta ao HIV. Muitas foram dizimadas. As que resistiram, agora enfrentam uma demanda crescente, sem estrutura ou financiamento para atendê-la.
Foi lembrado que a precarização dos serviços públicos afeta diretamente a população em situação de vulnerabilidade. “O problema do HIV não é só o HIV. É o que a pessoa come, onde ela mora, se tem saúde mental, se consegue chegar no serviço”, afirmou Alisson. A fala foi reforçada por outros membros do GT, que apontaram a necessidade urgente de políticas integradas e de ampliar o diálogo entre saúde, assistência social, cultura e educação.
Saúde mental e invisibilidades
Outro eixo sensível discutido foi a saúde mental das pessoas que vivem com HIV e outras ISTs. Vários relatos apontaram a ausência de psicólogos e assistentes sociais nos serviços especializados.
Além disso, foi denunciada a ausência de ações eficazes de prevenção e cuidado dentro do sistema penitenciário. Um estudo citado mostrou que, em alguns presídios, listas com nomes de pessoas vivendo com HIV foram fixadas em murais, uma grave violação de sigilo e direitos.
Conservadorismo e censura
Boa parte das falas abordou o avanço do conservadorismo no Brasil e seus impactos diretos na saúde pública. O GT denunciou a censura de materiais educativos sobre sexo químico e redução de danos, especialmente quando financiados por órgãos públicos. Expressões como “inserção”, “uso de drogas” e até mesmo “camisinha” têm sido vetadas de conteúdos voltados à população jovem.
Segundo o grupo, há um novo tipo de censura. Pode-se até produzir os materiais, mas não se pode usar os logotipos das instituições públicas porque o conteúdo é considerado ‘sensível’.
Para Marta, resistir a esse apagamento significa defender a saúde sexual e reprodutiva de forma ampla. “Não podemos falar só de HIV. Falar de ISTs é falar de vida. Falar de sexualidade é falar de direitos. E a escola precisa voltar a ser espaço de educação sexual, não de silêncio.”
Comunicação, juventudes e território
As barreiras de acesso também foram tema recorrente. Um dos pontos mais comentados foi o fato de que, para acessar a Estação Prevenção Jorge Beloqui, dentro do Metrô, é preciso pagar a passagem. “A pessoa da periferia às vezes não tem R$ 5,20 para ir pegar insumo. Isso é uma barreira real”, disse Fernanda Nigro.
A ausência de ações noturnas ou em horários compatíveis com o cotidiano das pessoas que vivem nas periferias foi criticada. “Os serviços funcionam das 7h às 19h, mas tem gente que sai de casa antes disso e volta depois. Como vão acessar?”
Participantes relataram ainda que, muitas vezes, a prevenção chega de forma informal: insumos distribuídos em bares, ocupações e quitandas parceiras.
Encaminhamentos concretos
Ao final, o grupo listou os principais encaminhamentos: levantamento de projetos de lei existentes e parados; proposta de nova lei para garantir passe livre às pessoas vivendo com HIV; pedido de audiência pública para debater os espaços de prevenção durante eventos públicos como Paradas e Marchas; convite à Coordenadoria de ISTs/HIV/Aids do município para dialogar com o GT; fortalecimento das ações de saúde mental nos serviços especializados; criação de estratégias para garantir acesso à prevenção fora do centro e em horários alternativos; propostas de educação sexual nas escolas e enfrentamento à censura em materiais educativos. Além disso, o grupo pretende investigar e divulgar serviços que existem, mas estão subutilizados por falta de comunicação.
O GT se comprometeu a funcionar de forma permanente, com reuniões a cada dois meses, construindo coletivamente um plano de trabalho. A proposta é clara: usar o poder legislativo para pressionar, visibilizar e transformar. Como lembrou um dos participantes, “não adianta só ter remédio se a pessoa não tem onde guardar, não tem o que comer, não tem com quem conversar”. A criação do Grupo de Trabalho ISTs/Aids + Saúde aponta para um caminho que entende que viver com dignidade não é só sobreviver, é acessar todos os direitos que garantem uma vida plena. A próxima reunião está prevista para acontecer dentro de dois meses, e as articulações seguem abertas para a luta por uma saúde pública laica, integral e antidiscriminatória.