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Uma conversa sobre Chemsex

No episódio de estreia do podcast Bolando com Cuidado, o É de Lei conversou com Karin Di Monteiro sobre chemsex

Arte digital com fundo colorido em faixas diagonais. No topo, o título
Primeira edição do ‘Bolando com Cuidado’, podcast do É de Lei, discute chemsex. | Foto: Reprodução É de Lei

É de Lei
20/02/2025

Em 2024, o Centro de Convivência É de Lei lançou o podcast Bolando com cuidado, que é mais uma frente do projeto "Pega a visão: ações de redução de danos no contexto da prevenção combinada" articulado pelo seu Núcleo de Práticas de Redução de Danos. O projeto é realizado em parceira com a Coordenadoria de IST/aids, da Secretaria Municipal de Saúde da cidade de São Paulo, com o objetivo de ampliar o acesso a redução de danos pela ótica da prevenção combinada, especialmente contextos de uso sexualizado de substâncias, como, por exemplo, o chemsex.

No episódio de estreia, o É de Lei recebeu Karin Di Monteiro para uma conversa aberta e livre de preconceitos sobre Chemsex, mediada por Astro Rafael e Danee Amorim, redutores de danos no É de Lei.

Karin Di Monteiro é bióloga, mestre e doutora em Psicobiologia. Agente de Redução de Danos e integrante do Núcleo de Ensino e Pesquisa do Centro de Convivência É de Lei. Docente do Bacharelado em Psicologia da UniPaulistana e pesquisadora do LASCOL (Laboratório de Saúde Coletiva, UNIFESP).

Por que falar sobre Chemsex?

O uso de drogas, em qualquer contexto, está associado a um maior risco de transmissão de infecções sexualmente transmissíveis (IST), HIV/aids e hepatites virais por interferir na percepção e no gerenciamento de riscos.

Na prática do chemsex essa é uma questão a ser olhada com mais cuidado, visto que a desinibição comportamental facilitada pelo uso de substâncias pode aumentar a ocorrência de práticas de risco e muitas vezes esse uso é feito pela via injetável (chamado de slamming), o que aumenta ainda mais os riscos de transmissão, em especial do HIV e do HCV (vírus da hepatite C).

Mas afinal, o que é Chemsex?

O termo chemsex vem do inglês e em uma tradução livre significa "sexo químico", ou seja, o uso de substâncias combinado com relações sexuais. Mas não só, para entender melhor essa cena é preciso ter em mente quem está nela.

A cena chemsex é composta, especialmente, por gays e outros homens que fazem sexo com homens (HSH). Uma das principais características é o uso de qualquer combinação de drogas que inclua metanfetamina, mefedrona e/ou GHB/GBL, usado antes ou durante o sexo. Essas substâncias proporcionam efeitos singulares de duração, apetite e desinibição sexual, diferentes dos efeitos do álcool, ketamina, cocaína e mesmo do poppers ou sidenafila (Viagra®), que são consideradas como “adicionais” no chemsex.

O termo chemsex foi cunhado por David Stuart e alguns amigos, em Londres, em meados dos anos 2000, para se referirem às suas próprias práticas de uso dessas substâncias psicoativas para fins sexuais. Com o aumento da disponibilidade dessas substâncias e da facilidade de comunicação entre a comunidade gay por meio de aplicativos de encontros, o termo foi incorporado e difundido por homens gays no mundo todo.

Isso criou uma grande rede de aproximação entre gays e HSH que se identificavam através da prática de chemsex. Essa identidade se construiu por meio da criação de um vocabulário específico e de novos formatos de comunicação a respeito de seus desejos, fetiches, drogas, prevenção e estigmas relacionados ao HIV (sorofobia) e à orientação sexual (homofobia), que historicamente perseguem essa parcela da população. Essa identidade facilitou, portanto, a troca de experiências entre pares, o desenvolvimento de tecnologias de cuidado próprias e a reivindicação da inclusão da pauta do chemsex nas agendas das políticas públicas de saúde.

A construção de políticas públicas e de ações da sociedade civil voltadas aos praticantes de chemsex obviamente não poderiam deixar de considerar o impacto que o HIV/aids teve na experiência do prazer e do sexo gay ao longo da história. A epidemia de HIV/aids ainda afeta desproporcionalmente determinadas parcelas da população. Por exemplo, no Brasil, gays e HSH representam quase 20% do total das pessoas vivendo com HIV. Os fatores associados ao maior risco de infecção por HIV nessa população estão relacionados ao estigma, à dificuldade de acesso a tecnologias de prevenção e tratamento e à informação, a práticas sexuais de risco (anais receptivas e/ou insertivas sem uso de preservativos, PrEP ou testagem) e ao uso de substâncias associadas a essas práticas.

O uso de drogas, em qualquer contexto, está associado a um maior risco de transmissão de infecções sexualmente transmissíveis (IST), HIV/aids e hepatites virais por interferir na percepção e no gerenciamento de riscos. Na prática do chemsex essa é uma questão a ser olhada com mais cuidado, visto que a desinibição comportamental facilitada pelo uso dessas substâncias pode aumentar a ocorrência de práticas de risco e o uso de substâncias muitas vezes é feito pela via injetável (chamado de slamming), o que aumenta ainda mais os riscos de transmissão, em especial do HIV e do HCV (vírus da hepatite C).

No entanto, a questão do HIV no chemsex não se resume apenas à prevenção ou aos risco de infecção pelos seus praticantes, mas se estende aos impactos na saúde mental também associados ao estigma, à culpa e ao medo que perduram em torno desse tema. Esse fato pode ser evidenciado pelo alto número de homens gays que manifestam sintomas psicóticos e de perseguição induzidos pelo uso de substâncias, geralmente relacionados ao HIV.

Dadas as especificidades e riscos, principalmente do uso prolongado de determinadas substâncias e em relação à transmissão de IST/HIV e hepatites virais, o chemsex vem sendo cada vez mais estudado a fim de traçar melhores estratégias de prevenção e cuidado, o que inclui práticas de redução de danos. O uso dessas substâncias, nesse contexto específico, estão associadas a toda uma cultura de uso e de práticas que se relacionam com o universo da cultura gay e inclui dinâmicas e vulnerabilidades próprias desse grupo, que merecem atenção especial.

Por não se tratar apenas de uma questão de práticas sexuais de risco, nem somente uma questão relacionada ao uso abusivo de substâncias psicoativas, mas uma combinação única que configura uma nova categoria, faz-se necessário, portanto, pesquisar e construir respostas às demandas de cuidado junto a essa população a partir de espaços de acolhimento, de diálogo aberto e considerando suas motivações.

Riscos associados ao chemsex

  • Intoxicação aguda, overdose e até morte pelo consumo excessivo de uma ou mais substâncias psicoativas
  • Consumos frequentes e excessivos podem aumentar a tolerância e abstinência
  • Situações de crise psicológica (arrependimento, culpa, depressão, baixa-autoestima, delírios e alucinações, psicoses)
  • Infecções sexualmente transmissíveis
  • Lesões nas regiões anal e genital por diminuição da perceção de dor associada aos efeitos anestésicos de algumas substâncias
  • Dificuldade em manter “sexo sóbrio”
  • Abusos e/ou agressões sexuais
  • Diminuição do desempenho em atividades do dia a dia e/ou isolamento social

Estratégias de Redução de Danos

  • O uso de preservativos evita a transmissão de HIV e outras IST. Não esqueça de trocar o preservativo entre um parceiro e outro
  • O uso de PrEP (Profilaxia Pré-Exposição) pode ser uma opção de prevenção à transmissão do HIV para quem tem dificuldade de adesão ao preservativo ou de negociar o uso com o parceiro. Lembrando que a PrEP não protege contra outras IST!
  • A PEP (Profilaxia Pós-Exposição) também pode ser usada como estratégia de prevenção ao HIV caso você pratique o chemsex com pouca frequência
  • Conhecer a sua sorologia também é uma forma de prevenção. Mantenha sua testagem para IST/HIV e hepatites virais em dia
  • Se você faz tratamento com antirretrovirais, evite pular doses e informe seu médico sobre seu uso de substâncias psicoativas para a escolha do melhor tratamento
  • Abuse dos lubrificantes! A lubrificação evita lesões anais e genitais, que são porta de entrada para microrganismos responsáveis pelas IST, além de outras infecções
  • A transmissão de hepatites A e B pode ser evitada através da vacinação. Confira se suas vacinas estão em dia!
  • Estabeleça regras e limites enquanto você está sóbrio sobre o que você quer ou não fazer na hora do sexo. Isso também vale para seus parceiros! Pergunte e obtenha o consentimento deles antes do uso e não ultrapasse os combinados
  • Converse com seus parceiros sobre as práticas que serão realizadas, quais substâncias serão usadas, em qual quantidade, por quanto tempo e também sobre as formas de prevenção às IST
  • Não compartilhe utensílios de uso como canudos, cachimbos, seringas e agulhas. Isso diminui os riscos de transmissão de tuberculose, hepatites virais e HIV. Procure um serviço de saúde ou equipe de redução de danos para troca de seringas e fornecimento de insumos
  • Informe-se sobre as estratégias de prevenção combinada
  • Se for utilizar cachimbos para substâncias fumadas, coloque piteiras de silicone para evitar queimaduras na boca. Se estiver compartilhando o cachimbo, tenha uma piteira de uso individual
  • Evite misturar drogas, isso torna os efeitos ainda mais imprevisíveis
  • Se for utilizar drogas pela via retal (pelo ânus), dilua a solução com água limpa e fresca e use uma seringa limpa sem agulha
  • Procure informações sobre os efeitos das substâncias que você pretende usar
  • Planeje seu uso com antecedência e, se possível, tenha seu próprio kit de redução de danos
  • Tenha à disposição um recipiente adequado para o descarte de seringas e agulhas usadas, por exemplo, garrafas pet vazias e com tampa. Dessa forma você evita acidentes e risco de infecção após o uso.

Onde encontrar insumos e atendimento médico (disponíveis no SUS)

Vacinação para Hepatite B: disponível pelo SUS, nas UBS, para pessoas de qualquer idade

Vacinação para Hepatite A: faz parte do calendário vacinal infantil, mas também está disponível nos Centros de Referência para Imunobiológicos Especiais (CRIE) para pessoas vivendo com HIV, pessoas com doença hepática de qualquer etiologia, inclusive infecção crônica pelos vírus da hepatite B e/ou C, entre outras condições

Testagem para HIV, sífilis e hepatites virais: Rede Municipal Especializada em IST/aids, unidades móveis e UBS

PrEP e PEP: Rede Municipal Especializada em IST/aids

Preservativos, Gel lubrificante e autoteste para HIV: Rede Municipal Especializada em IST/aids, UBS, dispensadores de preservativos em diversos locais públicos, como estações de metrô

 

Saiba mais: Chemsex, já ouviu falar? – Respire / É de lei